domingo, 19 de junho de 2011

Férias

Lá fora, no então chamado "mundo real", para os olhos mal-acostumados, eu e Sarah éramos apenas bons amigos. Eu era o falante e ela era a calada e nós éramos apenas amigos como tantos outros, e em todos os meios oficiais e apropriados, assim permanecemos - do início ao fim.

Porém, neste mundo real, no território localizado muito mais próximo da verdade, nossos papéis na vida um do outro não eram tão facilmente definidos. Às vezes eu era um terapeuta e ela uma cliente, às vezes ela era uma professora, e eu um estudante, às vezes o contrário. Mas, na maioria das vezes, nós éramos companheiros de turma, e a nossa amizade era a professora.

Em alguns momentos após ela se mudar, eu sentia como se eu tivesse largado pra trás o meu país e minha vida, e não ela. E houve momentos após a morte dela em que eu é que parecia ter perdido a vida, e até hoje  não perco a sensação de que, assim como ela, eu tive que encarar a morte, mesmo que por outro ângulo,  pelo lado de fora. Talvez essa tenha sido a troca de experiência mais importante, de tantas outras, que tivemos. Mesmo após morrer, ela continua me ensinando como viver.

Conforme o "período de aulas" acabou, eu sentia cada vez mais saudades da minha amiga, da minha companheira, da minha estudante, professora e terapeuta. Dois dias antes da viagem dela, nós trocamos presentes. Livros. E tivemos nossa última aula, ou sessão, no portão do aeroporto. Eu me sentei perto dela, dividindo um fone de ouvido que acabou se tornando nossa maior forma de se conectar, depois que o assunto morria. Eu perguntei como ela se sentia, e ela simplesmente disse "triste", e sorriu (provavelmente o máximo que ela podia). Ela me lembrou que ainda tinha coisas dela comigo, e que eu tinha que devolver no ano seguinte, e sorriu um pouco mais do que antes. O vôo ia partir, nós nos beijamos e nos despedimos.

A idéia de ver a Sarah de novo era certa, mas após a morte dela, as coisas mudaram muito, até um certo ponto onde eu mesmo percebi o quanto eu tinha mudado com o acontecimento. Eu não sei dizer exatamente quando eu me dei conta disso, mas eu posso levar você para o lugar exato. No Jardim Botânico, uma epifania concisa: "eu mudei". Você pode dizer que para uma "epifania", não foi exatamente um clímax ou uma revelação, mas não importa. O trabalho estava feito e a lição estava aprendida. Eu sabia que, quando chegasse a hora, quando eu tivesse superado tudo e precisasse mudar de novo, eu poderia. Porque a Sarah havia me ensinado como.

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