sábado, 23 de abril de 2011

Um ano depois, três anos depois.

        Eu sempre ouvi em filmes, li em livros e escutei da boca dos outros coisas como "a noite que mudou minha vida", "um telefonema que mudou minha vida", mas eu nunca tinha imaginado como seria isso até então. E como poderia ser uma coisa tão impessoal. Não foi um telefonema ou uma conversa, foi o e-mail que mudou minha vida. Começou com uma explicação de como havia achado meu e-mail, uma desculpa pela falta de contato, e então veio a frase "Sarah didn't make it". Eu não li mais nada depois disso.
        Eu desliguei o monitor e saí de casa. Eu andei, chorando pela rua como nunca chorei antes, igual a uma criança que caiu no chão. Eu sempre pensei que se algo tão horrível acontecesse comigo eu nunca ficaria na posição tão esteriotipadamente retratada em filmes ganhadores de oscar de melhor drama. Mas lá estava eu, 10 minutos depois, sentado na areia da praia, chorando de frente pro mar, querendo poder voltar no tempo.
        Agora vamos avançar o filme para 1 ano depois, quando eu finalmente me permitia ouvir algumas músicas, como "Gostava tanto de você" e "Vento no litoral", pela primeira vez desde o "e-mail que mudou minha vida". Mesmo entendendo perfeitamente que eu não havia superado meus problemas emocionais, lá estava eu, ouvindo músicas que me lembravam ela, movido por uma necessidade que eu já não conseguia mais ignorar. Me permitindo compartilhar, com algumas pessoas, a experiência. Vendo meus amigos fazendo esforços para me deixar mais confortável, esforços sinceros e desnecessários.
        Vamos avançar o filme, desta vez mais de 2 anos, para o dia 21/04/2011, mais de 3 anos depois de tudo, enquanto eu pego um ônibus para o Jardim Botânico, um dos lugares mais significativos de toda a minha experiência com a Sarah. Para quando eu pegava um ônibus para um lugar onde eu jamais imaginei que eu iria com outra pessoa além da Sarah, depois que ela se foi. Um lugar para onde eu estava indo agora encontrar outras pessoas. Vamos avançar para quando eu estava sentado no ônibus, imaginando a Sarah ao meu lado, imaginando o que eu diria para ela, o que eu gostaria que ela soubesse sobre mim, sobre a minha vida... Percebendo o quanto eu sentia a falta dela, e o quanto eu estava preparado para seguir em frente.

terça-feira, 19 de abril de 2011

How sweet it is

         Eu ainda fico impressionado com acidentes de carro. A Sarah odiava carros, sempre que ela podia, ela se deslocava a pé. Ela religiosamente saía de casa e ia a pé para a praia toda tarde, usando sempre o mesmo tipo de roupa. Religiosamente seguia pra pedra do Leme depois das aulas e ficava lá, olhando para o mar, por horas, no seu lugar favorito: "vamos ficar de costas pros carros".
          A Sarah não via solidão nenhuma nesse 'ritual', que ela já fazia sozinha muito antes de eu me juntar a ela nas segundas, quartas e sextas, assim como continuava fazendo sem mim nas terças e quintas.
          Ela nunca tirava os dois fones de ouvido, sempre com um fone balançando solto para ouvir o professor durante a aula. Fone esse que voltava, imediatamente, para o ouvido assim que a aula terminava. A Sarah adorava o que ela chamava de "o silêncio da música", e esse "silêncio" parecia mais calmante do que qualquer outra coisa pra ela.
           Mesmo com um senso de solidão, a Sarah sempre tentava se aproximar de mim, e até o último momento em que eu pude, eu estive do lado dela. Até ela entrar pelo portão de embarque, eu estava com ela. Através dos meses no exterior, eu não sei se a Sarah continuou o ritual de "silencio musical", mas eu tenho certeza que ela devia estar sufocada sem o mar. E foi no dia 29 de maio de 2007 que o silêncio veio buscá-la, deixando em silêncio todos que a amavam.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Johnnie Walker - Keep Walking

A lembrança é a nossa maneira de se agarrar às coisas que amamos, às coisas que somos, às coisas que nunca queremos perder e já perdemos. As lembranças são a única coisa que nos dá a esperança ou a coragem para, quando estamos andando pelo pior caminho, simplesmente continuar andando.A tristeza da perda está por dentro, todas essas maneiras externas de lamento que se vê nos outros são apenas a sombra do luto que está em silêncio na lembrança. Uma sombra que todo humano tem, não a sombra do corpo, a sombra do espírito, uma sombra que cai contra o sol quando bem entende, às vezes curta em dias de luz, às vezes longa no escuro. Essa sombra é a sombra do luto, quem nunca viu essa sombra no encalço de um conhecido?

Eu espero que a lembrança continue e amadureça, que prospere, porque na lembrança está a primavera dos dias felizes, quando 'morte' e 'luto' eram apenas palavras que não faziam eco na minha memória.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Das coisas do quadro negro

De algumas coisas eu entendo. De como os vivos continuam vivendo. De como os mortos continuam vivendo com eles. De como, em uma floresta, até uma árvore morta cria sombras e despenca folhas, uma a uma. De como os galhos secos se quebram contra o vento e o cascalho descasca lentamente. De como o tronco trinca, invernos após a vida ter acabado. De como a água percola as rachaduras e o tronco cai no chão. De como o musgo o cobre e os coelhos o acham na primavera e fazem lá sua toca, e vivem, dentro da árvore morta.

De como nada que morre é desperdiçado na natureza, na vida ou no amor.