terça-feira, 15 de março de 2011

Uma visita inesperada.

Meu velho amigo Luto está de volta. Ele vem me visitar, de tempos em tempos para me lembrar de que eu ainda sou uma pessoa incompleta. É claro que houve alguma cura desde a última visita, mas eu ainda não consegui me ajustar a um mundo sem você. A verdade é que nunca existe uma cura completa, as pessoas nunca conseguem se ajustar à perda de alguém importante. Eu posso voltar a ficar bem um dia, mas nunca vou voltar a ser o mesmo.  
E, assim, meu velho amigo Luto passa por aqui para me dar bom dia. Às vezes ele entra por uma porta que eu mesmo abri, e as vezes me surpreende e entra sorrateiro por uma janela. Por uma música, por um cheiro ou por uma foto que me faz lembrar de como as coisas costumavam ser. Às vezes coloca um sorriso afetuoso no meu rosto, mas na maioria das vezes ainda bota uma lágrima de saudades.
Algumas pessoas tentam me convencer de que lembrar não é saudável, que não se deve estender em pensamentos que nos trazem tristeza. A verdade é o oposto. Luto revisitado é luto reconhecido, luto confrontado vai ser, futuramente, luto resolvido.
Mas se o luto está reconhecido e resolvido, por que ainda sentimos essa sensação profunda de perda, não apenas em aniversários e ocasiões do tipo, mas durante toda a vida e quando menos se espera? Por que continua aquele caroço na garganta, mesmo 3 anos depois de tudo? Porque curar não significa esquecer, seguir em frente não significa deixar nada para trás.
  Meu velho amigo Luto não quer atrapalhar a minha vida, na verdade ele só quer sentar e conversar de vez em quando. Meu velho amigo Luto me ensinou algumas coisas, através dos anos. Me ensinou que se eu tentar fugir da realidade por 3 anos, eu posso acabar sem um lugar para onde voltar. Me ensinou que tentar negar a perda de alguém em minha vida implica em negar a minha vida como um todo. Meu amigo Luto me ensinou que por mais que a dor da despedida seja grande, é algo que se deve experimentar de peito aberto ou correr o risco de paralisia emocional.
Meu velho amigo Luto também me ensinou que grandes perdas acontecem e que apesar de o mundo ser diferente após essas perdas, ainda é o meu mundo e a vida continua a ser vivida nele. Ele me ensinou que quando se olha para o passado, as pessoas se redescobrem não “apesar do passado” e sim “por causa do passado”.
  Hoje meu velho amigo Luto me ensinou que a perda de alguém amado não pode resultar na perda do amor. O amor é mais forte que a separação e mais longo que a permanência da morte. Meu velho amigo Luto salvou a minha vida, me ensinando tudo de mais importante que existe pra ser aprendido. Amor, vida, esperança e a longa jornada que se estende muito além do que se vê, se sente ou se perde durante os anos.

domingo, 6 de março de 2011

Jardim Botânico.

Hoje eu fui ao Jardim Botanico. Eu não tenho ido ao Leme ou ao Jardim Botânico com tanta freqüência... Eu acho que cada vez mais a nostalgia que eu sinto nesses lugares perde o sentido, não diminui, continua firme e forte, mas perde o sentido. Eu acho que vejo o Leme quase como um túmulo e esses textos como epitáfio. Mas não é no Leme e nem no seu túmulo de verdade que você está.
Pois bem, você não está “dormindo” nem “descansando”... Você não “está em lugar melhor”. Onde você está? Você está na minha estante de livros? Nas músicas do meu rádio? No vento com cheiro de maresia?
Eu lembro de muita coisa e eu não lembro de quase nada. Foram tantos dias, tantas horas juntos, que é impossível lembrar de tudo. Eu lembro de como você reclamava... Nossa, como você reclamava... Que eu sempre cheirava a café, que eu não conseguia falar olhando pros outros, que eu estava sempre reclamando... Como você reclamava... Como eu daria tudo pra ouvir essas reclamações de novo. É muito fácil lembrar das pessoas pelos grandes gestos, pelos discursos, pelas tardes memoráveis. Mas não é tão fácil se lembrar as coisas pequenas. Os detalhes adoráveis e as imperfeições perfeitas que fazem a pessoa ser que ela é. Eu acredito que é lembrar dessas coisas pequenas que mostram o quanto a gente se importava.
As coisas grandes, os momentos inesquecíveis, as festas, o primeiro beijo... Essas coisas enchem o peito de nostalgia. Mas são as coisas pequenas, as briguinhas, os risos, os milhares de tardes iguais e nada memoráveis olhando o mar sem dizer nada que enchem o peito de luto e da beleza que as coisas fundamentalmente tristes conseguem inspirar.
Em volta dos lugares onde a gente costumava ir junto ficou um buraco de saudades, que eu me vejo circundando nos dias normais e onde eu me vejo afundando nos dias de chuva.